A dispensa coletiva pressupõe atingir número elevado de trabalhadores?

I- Introdução.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que para o empregador dispensar trabalhadores, coletivamente, é necessária a prévia negociação coletiva. 

É o que diz a tese de repercussão geral nº638 do STF:

"A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo".

Ocorre, contudo, que não há lei explicando o que caracterizaria uma dispensa coletiva. 

E aí? Para se caracterizar uma dispensa coletiva é necessário que essa dispensa atinja um número elevado de trabalhadores?  

Como responder, juridicamente, a essa indagação?  

Neste artigo iremos enfrentar este tema. 

Vamos lá?!

II- Dispensa Coletiva: como caracterizá-la?

O art. 477-A da CLT faz referência textual à dispensa coletiva, mas sem caracterizá-la. 

Na verdade, o art. 477-A da CLT, incluído pela Lei nº13.467/2017, tinha a pretensão de reverter a jurisprudência trabalhista que se firmara no TST.

Ocorre que o art. 477-A da CLT é tão confuso, incongruente e inconclusivo... Mas isso é uma conversa para outro artigo. 

O caso é que, enfim, no Brasil, não existe “disposição legal” dizendo quantos trabalhadores deveriam ser atingidos para caracterizar uma dispensa coletiva. 

E aí? O que o intérprete deve fazer? Dizer que o caso concreto não tem solução? Claro que não!!!! 

O juiz (intérprete), no Brasil, não pode deixar de decidir alegando ausência de lei sobre o tema. É o que diz o art. 140 do CPC:

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.

Vale lembrar, também, que o ordenamento jurídico não se esgota na lei. Há, pois, instrumentos para resolver o que se denomina de lacuna parente. 

E como resolver, então?

Na área trabalhista, com a aplicação do art. 8º da CLT:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Nesse particular, algumas dificuldades devem ser enfrentadas.

A utilização da jurisprudência certamente será criticada pelos neocivilistas do Direito do Trabalho em razão do §2º do art. 8º incluído pela Lei nº 13.467/2017.

A analogia, segundo Martins (2003, p. 71), “consiste na utilização de uma regra semelhante para o caso em exame”, o que torna a sua aplicação dificílima pela ausência de tratamento normativo, interno, à dispensa coletiva.

Na mesma toada, certamente serão alvo de críticas soluções construídas a partir da equidade, princípios e normas gerais do direito, além do costume.

Isso porque se alegará inexistência de normatividade concreta que fixe requisito específico de validade à dispensa coletiva.

Resta, pois, o direito comparado. 

E por quê?

Ora, de acordo com a OIT, 81,6% dos países possuem regras trabalhistas específicas sobre a dispensa coletiva, além de recomendações da própria OIT.

Mas preste atenção numa coisa! 

Valer-se do direito comparado não significa que, a partir daí a norma de outro país terá vigência abstrata e genérica no ordenamento jurídico nacional. 

Ou seja, não significa que a partir de agora, vai-se pegar uma norma, por exemplo da França, e ela vai valer para todos casos do Brasil. Não é isso! 

O que diz o art. 8º da CLT é que o intérprete, diante da omissão, deve construir a solução para o caso concreto. Frisa-se: para o caso concreto!

Ah, mas pode ser qualquer solução? 

Não! Tem que ser uma solução alinhada à realidade brasileira, ao seu ordenamento jurídico e ao caso concreto.

A solução deve estar também em consonância com os valores, princípios e normas constitucionais (controle de constitucionalidade). 

E ainda deve-se ter um desfecho que esteja de acordo com as normas internacionais, inclusive da OIT (controle de convencionalidade). 

De acordo com o SEBRAE, as micro e pequenas empresas são as atividades econômicas que mais empregam no Brasil. 

Isso quer dizer que o maior número de trabalhadores está nessas empresas. Muitas empresas. Porém, cada uma emprega poucos trabalhadores. 

Será que podemos excluir da proteção social coletiva (e que é representada pela negociação coletiva prévia) da maior parte dos trabalhadores brasileiros?

Será que a melhor interpretação é aquela que exclui da proteção sindical, diante da dispensa coletiva, a maior parte dos trabalhadores brasileiros? 

Evidentemente que não! 

Relação de emprego protegida (art. 7º, I, CF/88) e proteção sindical na negociação coletiva são direitos de todos os trabalhadores (art. 8, VI, CF/88).

O sindicato tutela, coletivamente, a categoria, independentemente do porte econômico ou do número de trabalhadores da empresa (art. 8, III, CF/88).

Não se reduz as desigualdades sociais (art. 3º, III, CF/88) excluindo a maior parte dos trabalhadores brasileiros da proteção coletiva de seus sindicatos.  

O primado do trabalho decente, no Brasil, tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193, CF/88). 

A integração da lacuna da lei não pode ser discriminatória a porto de excluir da prévia negociação coletiva a maior parte dos trabalhadores brasileiros. 

Aliás, o direito fundamental à negociação coletiva é expresso pela OIT, no item “a” (Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho). 

Portanto, é dever do Estado brasileiro, por compromisso internacional assumido, promover e tornar realidade a negociação coletiva. 

E isso se aplica aos casos de dispensa coletiva, especialmente, aos trabalhadores que mais precisam.

É o que se extrai, ainda, no caso das dispensas coletivas, das Recomendações 163 e 166 da OIT. 

Assim, o intérprete de integrar a lacuna com norma do direito comparado que se alinhe aos prismas constitucional, convencional e à realidade brasileira.

III- Direito comparado. 

Do direito comparado se extrai, em muitos países, que dispensa coletiva não significa, necessariamente, número elevado de trabalhadores dispensados. 

Em Portugal, o despedimento coletivo é o que envolve de 2 a 5 empregados, no período de 3 meses, a depender de micro, pequena, média ou grande empresa (art. 359, 1, CTP).

Em Angola, dispensa coletiva é aquela que envolve a extinção ou transformação de postos de trabalho que afetem 5 ou mais trabalhadores (art. 238 da Lei Geral do Trabalho).

Na Espanha, a dispensa coletiva corresponde àquela que abrange: 

a) 10 (dez) trabalhadores em empresas com até 100 trabalhadores; 
b) 10% de trabalhadores nas empresas que possuem entre 100 e 300 empregados; 
c) 30 trabalhadores naquelas que tenham mais de 300 (trezentos) empregados. (art. 51 do ETE).

Na Itália, a legislação prevê como coletiva a dispensa que envolve 5 (cinco) trabalhadores num intervalo de tempo de 120 (cento e vinte dias), em qualquer unidade produtiva ou em mais de uma unidade produtiva numa mesma província (art. 24 da Lei n. 223/91).

Na Alemanha, tem-se como dispensa coletiva aquele que atinge: 

a) 05 (cinco) trabalhadores, nas empresas com mais de 20 e menos de 60 empregados; 
b) 10% (dez por cento) dos trabalhadores ou 25 (vinte e cinco) empregados nas empresas com 60 (sessenta) ou mais e menos de 500 empregados; 
c) 30 (trinta) trabalhadores em empresas com pelo menos 500 empregados (Lei de Proteção contra Demissão [PADA], 1969 (Terceira Sessão, § 17).

Na Argentina, a dispensa coletiva é a que afeta: 

a) mais de 15% (quinze por cento) dos trabalhadores em empresas com menos de 400 trabalhadores;
b) mais de 10% (dez por cento) em empresas com entre 400 e 1.000 trabalhadores; 
c) mais de 5% (cinco por cento) em empresas com mais de 1.000 trabalhadores (art. 98 da Lei do Emprego).

No Peru, a dispensa coletiva envolve mais de 10% (por cento) dos trabalhadores da empresa (art. 48 LPCL).

Portanto, é possível extrair normatividade jurídica do direito comparado para, no caso concreto, proteger os trabalhadores brasileiros, diante da lacuna da lei.

IV- Conclusão. 

Dispensa coletiva, como visto, não pressupõe atingir, para a sua caracterização, número elevado de trabalhadores. 

É possível resolver a lacuna da lei nacional, com a utilização de regras do direito comparado e que se alinhe à realidade brasileira. 

E também aos valores, princípios e regras presentes na Constituição Federal de 1988 e de normas internacionais, especialmente da OIT. 

Este, aliás, o posicionamento do Ministério Público do Trabalho, por intermédio da Nota Técnica nº7 da CONALIS sobre Dispensa Coletiva e Proteção Social. 

O grande problema, no Brasil, é que ao invés do termo dispensa coletiva, tal como se utiliza na OIT e no direito comparado, se diz “dispensa em massa”. 

E a expressão dispensa em massa traz uma carga ideológica que, não percebida, desnatura o próprio instituto. 

Mas isso é um tema para um outro artigo. 

Até lá! 

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